Brasao TCE TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO TOCANTINS
GABINETE DA 4ª RELATORIA

   

10. VOTO Nº 181/2021-RELT4

10.1. Trata-se de Representação formulada pelos senhores Silvonete Lopes dos Santos, Firmino Lustosa Araújo e senhora Tania Graziela Kerber, vereadores do município de São Valério da Natividade/TO, decorrentes de fatos supostamente ocorridos perante o Fundo Municipal de Saúde da municipalidade.

10.2. Os representantes alegaram que no mês de fevereiro de 2019, o chefe do Poder Executivo utilizou o veículo Amarok – Placa QKD 2538, de propriedade do Fundo Municipal de Saúde de São Valério da Natividade/TO, em viagem de interesse particular. Acrescentaram, ainda, que na mencionada viagem o veículo sofreu um sinistro, que resultou em perda total.

10.3. De acordo com os fatos narrados pelos representantes, após solicitarem informações junto ao executivo municipal, a documentação apresentada trouxe inconsistências, tais quais: (i) data do boletim de ocorrência está divergente com a data do sinistro; (ii) existem abastecimentos do veículos posterior à ocorrência do acidente; (iii) não foram apresentadas informações documentadas sobre o destino e o objetivo da viagem; (iv) não há fotos do veículo e nenhum dos motoristas lotados do Fundo Municipal de Saúde estava conduzindo o carro na data do ocorrido; (v) a data em que foi acionado o seguro é de 16/04/2019.

10.4. Os documentos apresentados quando de sua autuação preenchem os requisitos de admissibilidade previstos nos arts. 142-A, VI, do Regimento Interno deste Tribunal, daí porque conhecido o presente processo como Representação, com fundamento no art. 113, § 1º, da Lei 8.666/93, de acordo com o Despacho nº 949/2019 – RELT4 (Evento 2).

 Ato contínuo, foi determinada a citação dos senhores Olímpio dos Santos Arraes – Prefeito Municipal à época e Tatiane Lopes Barreira – Gestora do Fundo Municipal de Saúde à época, para que apresentassem justificativas e documentos acerca dos fatos narrados no bojo desta Representação.

10.6. Após, através do Expediente nº 7035/2020 (Evento 16), os responsáveis vieram aos autos trazendo suas alegações de defesa, bem como documentos complementares, refutando todos os pontos elencados pelos representantes.

10.7. Instada a se manifestar, a Quarta Diretoria de Controle Externo emitiu a Análise de Defesa nº 19/2020 (Evento 18), oportunidade em que, contrapondo os fatos trazidos pelas partes, entendeu pela manutenção das seguintes irregularidades:

- Não consta Relatório de instauração de Sindicância ou Processo administrativo para promover a apuração de responsabilidades e prejuízos causados ao município, em desconformidade com a Lei 8.429/92 (arts. 9º, 11º, 12º).
- Há ausência de Laudo por Perícia Técnica, sendo necessário para averiguação das circunstancias do local e da conduta que culminou no acidente, sendo que na ausência do mesmo o ônus da prova poderá recair sobre o município, em descordo com o art. 37 § 6º da CF.
- Não conta nota explicativa convincente que caracterize o uso do veículo em questão para fins oficiais, a exemplo dos art. 6º da Lei 9.287/2018 e arts. 9º, 10º, 11º, 12º da Lei 8.429/92.
- A data do acidente conforme Boletim de ocorrência nº 20190320165368679, é do dia 03/03/2018 (anterior ao acidente) às 17:30, consta também nos autos outro Boletim de Ocorrência de nº 2019032016536867 9R 01 com data (regularizada do dia 03/03/2019. Porém, não foi anexado nos autos documento de retificação de data do boletim de acidente de trânsito junto a polícia Rodoviária Federal.
- O Sinistro ocorreu dia 03/03/2019 em um dia de domingo as 17:30 no endereço BR 153 km 180, trecho principal BR 153 (143,01 a 286,0), Campinorte - Go, em desconformidade com os arts. 5º e 6º do Decreto 9.287/2018.
- Documento do serviço de Guincho está com a data ilegível, podendo infringir o art. 297 c/ 304 do CP.
- O carro estava sendo conduzido pelo sr. Telmo Martins de almeida CPF: 922.578.951-34 Assessor de Gabinete-Comissionado, em desacordo com a lei 9.327/1996 art. 1º, uma vez que o Fundo municipal de Saúde dispõe de motorista Oficial no quadro de servidores, conforme Portal de transparência.

10.8. Pois bem. Os senhores Olimpio dos Santos Arraes – Prefeito Municipal à época e Tatiane Lopes Barreira – Gestora do Fundo Municipal de Saúde à época, informaram que a mesma Representação que ora se discute foi apresentada perante o Ministério Público Estadual e, após oitiva do Secretário de Administração do Município de São Valério da Natividade/TO, foi arquivada por não haver maiores indícios de irregularidades, conforme documento anexo (Evento 16, pdf 1).

10.9. Aduzem que a utilização do veículo se deu em razão da necessidade de se buscar peças em Goiânia/GO, pois, embora o costume seja o envio via ônibus, o tamanho das molas do eixo das peças em questão impossibilitou esse transporte, motivo pelo qual a camionete se deslocou para tal fim.

10.10. No que tange à data do Boletim de Ocorrência, esclarecem que se trata de erro formal que, inclusive, foi corrigido pela Polícia Rodoviária Federal, conforme Ocorrência Original nº 20190320165368679, em que a data do ocorrido consta como 03/03/2018, e Ocorrência nº 20190320165368679R01, em que a data do ocorrido consta como 03/03/2019 (Evento 16, pdfs 9 e 10).

10.11. Quanto aos abastecimentos ocorridos em data posterior ao sinistro, os responsáveis alegam que o posto de combustível envia as notas fiscais em remessas quinzenais, pois no município há o abastecimento direto na bomba, de modo que a data da nota não reflete, necessariamente, a data em que o veículo encheu o tanque.

10.12. Por fim, informam que o município recebeu integralmente a indenização do seguro, correspondente a 100% (cem por cento) da tabela FIPE, com valor total bruto de R$ 80.666,00 (oitenta mil, seiscentos e sessenta e seis reais) e, com essa quantia, adquiriu uma ambulância, amparado no Parecer Jurídico nº 021/2019 – Assessoria Jurídica e Resolução nº 004/2019, do Conselho Municipal de Saúde de São Valério da Natividade/TO (Evento 16, pdfs 11 e 12).

10.13. A despeito de todas as informações trazidas à baila, alguns pontos merecem ser destacados para melhor análise e compreensão dos fatos.

10.14. A documentação apresentada condiz com a narrativa da defesa, porém, não esclarece todos os apontamentos suscitados nos presentes autos, de modo que há lacunas que precisariam ser preenchidas para que todo o cenário envolvendo o sinistro com o veículo fosse elucidado.

10.15. Como se nota, apesar de constar anexo ao Evento 16, pdf 2, uma troca de conversas com datas espaçadas entre o município e a responsável pelo Banco do Brasil Seguros, não há informações detalhadas, tampouco um laudo realizado por perícia técnica, para averiguação das circunstâncias do local e condições do acidente, sendo que na sua ausência, o ônus poderá recair sobre a municipalidade, conforme § 6º, art. 37, da Constituição Federal e julgado extraído do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:  
(...)
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
 
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO.  ACIDENTE. VEÍCULO OFICIAL. PERÍCIA TÉCNICA. IMPRESCINDÍVEL. ÔNUS DA PROVA INCUMBE À ADMINISTRAÇÃO. DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. NECESSIDADE DE DECISÃO JUDICIAL OU AUTORIZAÇÃO DO SERVIDOR.
1 - Cabe à Administração Pública provar que o servidor agiu com culpa por meio de perícia técnica no caso de acidente de trânsito envolvendo veículo oficial. O ônus da prova nesse caso recai sobre a Administração.
2 - Não é possível que a Administração Pública proceda ao desconto em folha de pagamento de servidor, como forma de ressarcimento ao erário, sem que haja decisão judicial ou anuência do servidor.
3 - Recurso conhecido e provido.
(Procedimento Administrativo Disciplinar, unânime, Relatora: ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO, Acórdão nº 1029060, Conselho Especial no exercício das funções administrativas, data de julgamento: 27/6/2017)

10.16. Não há, nos autos, nenhum documento que comprove a instauração de procedimento administrativo com vistas a apurar a responsabilidade e os prejuízos causados ao município, e também não há evidências que demonstre que o uso do veículo se deu para fins oficiais, em desacordo com o disposto nos arts. 11 e 12 da Lei nº 8.429/92, e art. 6º, da Lei nº 9.287/2018:

Lei nº 8.429/92
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;
 
Art. 12.  Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:
(...)
III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.
 
Lei nº 9.287/2018
Art. 6º É vedado:
(...)
III - o uso de veículos oficiais nos sábados, domingos e feriados, exceto para eventual desempenho de encargos inerentes ao exercício da função pública ou nas hipóteses previstas nos incisos VIII e IX do caput do art. 5º;

10.17. Ademais, o condutor do veículo, senhor Telmo Martins de Almeida – Assessor de Gabinete, não é servidor do Fundo Municipal de Saúde do Município de São Valério da Natividade/TO, o qual possui motorista oficial no seu quadro de pessoal, conforme informações extraídas do Portal da Transparência.

10.18. Importa ressaltar, ainda, que não identificamos nos autos comprovantes de diárias recebidas pelo servidor que conduzia o veículo, tampouco pelo prefeito, o que reforçaria a tese de que a viagem teria acontecido para fins particulares.

10.19. Com fulcro no arrazoado acima exposto, vislumbramos que o cerne da representação que ora se analisa se pauta no fato de que a viagem realizada com o veículo do Fundo Municipal de Saúde de São Valério da Natividade/TO se deu para fins particulares, porém, não há nos autos elementos que comprovem tal fato de maneira inequívoca, motivo que, inclusive, levou o Ministério Público Estadual a arquivar o processo que lá aportou.

10.20. Contudo, em razão da independência funcional entre os órgãos e com a maxima vênia, entendo que o arquivamento não é medida que se impõe, visto que há elementos capazes de ensejar a aplicação de multa aos responsáveis, quando identificamos a prática de atos com grave infração à norma constitucional e legal, de natureza administrativa, de acordo com o art. 39, II, da Lei nº 1.284/2001 e art. 159, II, do Regimento Interno – TCE/TO.

10.21. Nesse sentido, necessário se faz a remessa dos presentes autos ao Ministério Público do Estado do Tocantins, a fim de que, entendendo pertinente, seja feita nova análise dos fundamentos trazidos nesta decisão.

10.22. Ante o exposto, acompanhando o parecer do Corpo Especial de Auditores e divergindo do posicionamento do Ministério Público de Contas, de acordo com a fundamentação e motivação trazidas acima, e com fundamento no art. 2º, II, § 2º, II, da Instrução Normativa – TCE/TO nº 009/2003, alterada pelas IN – TCE/TO nº 03/2008 e nº 06/2012, VOTO para que este Tribunal decida no seguinte sentido:

10.22.1. Conheça da presente Representação decorrente da documentação apresentada pelos senhores Silvonete Lopes dos Santos e Firmino Lustosa Araújo e senhora Tania Graziela Kerber, vereadores do município de São Valério da Natividade/TO, por meio da qual relatam fatos ocorridos perante o Fundo Municipal de Saúde da municipalidade, dando conta que no mês de fevereiro de 2019, o chefe do Poder Executivo utilizou o veículo Amarok – Placa QKD 2538, de propriedade do Fundo Municipal de Saúde de São Valério da Natividade/TO, em viagem do gestor do Poder Executivo Municipal, sem que se comprovasse nos autos a finalidade pública do deslocamento, ocasião em que o veículo sofreu um sinistro, que resultou em perda total, para, no mérito, considerá-la procedente.

10.22.2. Aplique multa de R$ 4.500,00 (quatro mil e quinhentos reais) ao senhor Olímpio dos Santos Arraes – Prefeito à época, com base no art. 39, II, da Lei nº 1.284/2001 e art. 159, II, do RITCE/TO, em função da prática das seguintes irregularidades:

a) Não consta relatório de instauração de Sindicância ou Processo Administrativo para promover a apuração de responsabilidades e prejuízos causados ao município, tampouco justificativa de que o veículo foi utilizado para fins oficiais, em desconformidade com a Lei 8.429/92 (arts. 11 e 12) e Lei nº 9.287/2018 (art. 6º);

b) Ausência de Laudo por Perícia Técnica para averiguação das circunstâncias do local e condições do acidente, de modo que o ônus da prova poderá recair sobre o município, conforme art. 37, § 6º, da Constituição Federal e julgado colacionado no bojo do Voto;

c) O motorista que conduzia o veículo não era do quadro de servidores do Fundo Municipal de Saúde de São Valério da Natividade/TO, e o referido Fundo conta com motorista oficial, segundo se extrai do Portal da Transparência.

10.22.3. Aplique multa de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) à senhora Tatiane Lopes Barreira – Gestora do Fundo Municipal de Saúde à época, com base no art. 39, II, da Lei nº 1.284/2001 e art. 159, II, do RITCE/TO, em função da prática da seguinte irregularidade:

a) Não consta relatório de instauração de Sindicância ou Processo Administrativo para promover a apuração de responsabilidades e prejuízos causados ao município, tampouco justificativa de que o veículo foi utilizado para fins oficiais, em desconformidade com a Lei 8.429/92 (arts. 11 e 12) e Lei nº 9.287/2018 (art. 6º);

10.22.4. Fixe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da notificação, para comprovar, perante o Tribunal, o recolhimento da multa ao Fundo de Aperfeiçoamento e Reequipamento Técnico do Tribunal de Contas (art. 167, 168, III e 169 da Lei nº 1.284/2001 c/c artigo 83, §3º do RITCE/TO), atualizada monetariamente desde a data do presente acórdão até a data do efetivo recolhimento, se for paga após o vencimento, na forma da legislação em vigor;

10.22.5. Autorize, desde já, com amparo no art. 94 da Lei nº1.284/2001 c/c o art. 84 do RITCE/TO, o parcelamento da multa, em até 24 (vinte e quatro) parcelas mensais e sucessivas, caso requerido, esclarecendo aos responsáveis que a falta de pagamento de qualquer parcela importará no vencimento antecipado do saldo devedor (art. 84, §§ 1º e 2º), observadas as disposições contidas na Instrução Normativa – TCE/TO nº 003/2009, bem como o limite mínimo definido pelo Tribunal Pleno;

10.22.6. Autorize, desde logo, nos termos do art. 96, II, da Lei nº 1.284/2001, a cobrança judicial da dívida atualizada monetariamente, caso não atendida a notificação;

10.22.7. Determine à Secretaria do Pleno – SEPLE que:

a) proceda à publicação desta Decisão no Boletim Oficial deste Sodalício, nos termos do art. 27, caput, da Lei nº. 1.284/2001, e dos arts. 72 e 341, § 3º, do RITCE/TO, para que surta os efeitos legais necessários;

b) encaminhe cópia da decisão, relatório e voto ao Ministério Público do Estado do Tocantins para conhecimento e providências que entender necessárias.

10.22.8. Após o atendimento das determinações supra e ocorrido o trânsito em julgado, determine a remessa dos presentes autos à Coordenadoria do Cartório de Contas – COCAR e, em seguida, à Coordenadoria de Protocolo Geral – COPRO, para proceder ao seu arquivamento.

Documento assinado eletronicamente por:
SEVERIANO JOSE COSTANDRADE DE AGUIAR, CONSELHEIRO (A), em 15/09/2021 às 16:44:52
, conforme art. 18, da Instrução Normativa TCE/TO Nº 01/2012.
A autenticidade do documento pode ser conferida no site https://www.tceto.tc.br/valida/econtas informando o código verificador 151498 e o código CRC 30B4FD3

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